O CONSERTADOR DE ALMAS
O senhor quer saber por que estou aqui?
...
Eu estou aqui não porque meu casamento rachou com a batida da porta, nem porque tenho medo – não, medo eu tenho de perder o emprego e de encontrar patinhas de barata na comida do restaurante; o que eu sinto é pavor, uma indizível estremeção de ter que enterrar um filho, e nem estou aqui porque me pergunto todos os dias, e se chover?
Eu estou aqui por causa da bolha que habita o meu estômago e de quando em quando se expande até a garganta e os dedos dos pés e das mãos, me amaldiçoando por eu ter apenas esse espaço para oferecer. Mas existem pernas e braços infinitos?
E quando sua inconformidade atinge a loucura, ela sobe para a minha cabeça e se autoinflama, como uma criança que desejasse ganhar o prêmio pela maior bolha de sabão já feita, soprando até o limite para não estourar, o espaço exato onde nenhuma gota de ar a mais caberia.
Eu fico como um balão perdido sobre os homens, aterrorizado com o azul que não está acima de nós, jogado pela ilusão a todos os cantos de uma cidade que não reconheço, gritando numa língua que ninguém entende, até a bolha se autoesvaziar e me dar um pouco de tempo na concretude em que também não me encaixo.
Comecei com chá de hortelã e de folha de maracujá, passei para Maracugina e passiflora. Divã, quatro paredes e nenhuma palavra solta. Lexapro e Rivotril. Uma poltrona, dois olhos em mim e os meus na janela. Estou cansada estou cansada estou cansada – só tenho essas palavras que ninguém entende para dizer. Ansiolíticos debaixo da língua e dentro da veia. Alimentei a bolha com ar e cinzas.
Em nenhuma dessas caixas e cômodos encontrei o homem do conserto.
E hoje, ele veio?
domingo, 29 de abril de 2012
quinta-feira, 26 de abril de 2012
sexta-feira, 20 de abril de 2012
O grama da grama ou a gota d'água
E eles se separaram por causa da grama que não cobriu toda a terra e transformou os dias de chuva em dias de lama.
quarta-feira, 18 de abril de 2012
A faixa
Se ela acelerasse, corria o risco de parar em cima da faixa de pedestres. Não foi. O taxista, logo atrás, meteu a mão na buzina como se o dia estivesse terminando e não começando, gesticulou e gritou: vai porra, vai. Ela não foi: a faixa! O jovem mendigo, olhos azuis escondidos sob a pele encardida, levantou com o saco de pertences nas costas e também gritou: se mexer com a mina eu te meto a mão, filho de uma égua!
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Inteligência
Dia 02 de abril de 2012, numa barraca de frutas numa esquina das Perdizes, São Paulo capital:
- Por favor, senhor, quanto é a fatia da melancia?
- R$ 1,50.
- Quero duas.
Chego em casa e ao guardá-las na geladeira vejo que o senhor desdentado me entregou três.
Dia 09 de abril de 2012, no mesmo local:
- Quero duas fatias de melancia, por favor.
- R$ 3,00.
- Mas eu vou pagar R$ 4,50 porque na semana passada eu pedi duas fatias e quando cheguei em casa vi que o senhor me entregou três.
- Ãh?
- Semana passada eu pedi duas fatias. Paguei pelas duas. Mas quando cheguei em casa vi que o senhor me deu três. E eu comi. Então hoje vou pagar por essa fatia a mais, entendeu?
- Ah, você é muito inteligente.
- Por favor, senhor, quanto é a fatia da melancia?
- R$ 1,50.
- Quero duas.
Chego em casa e ao guardá-las na geladeira vejo que o senhor desdentado me entregou três.
Dia 09 de abril de 2012, no mesmo local:
- Quero duas fatias de melancia, por favor.
- R$ 3,00.
- Mas eu vou pagar R$ 4,50 porque na semana passada eu pedi duas fatias e quando cheguei em casa vi que o senhor me entregou três.
- Ãh?
- Semana passada eu pedi duas fatias. Paguei pelas duas. Mas quando cheguei em casa vi que o senhor me deu três. E eu comi. Então hoje vou pagar por essa fatia a mais, entendeu?
- Ah, você é muito inteligente.
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