terça-feira, 26 de junho de 2012

Mudei

Gosto muito do Avencalouca e de todas as avencas, mas vou para um cantinho só meu, com textos diferentes dos que posto aqui. Para quem se interessar: www.lucianagerbovic.blogspot.com

quarta-feira, 13 de junho de 2012

O que eu posso fazer se os estereótipos existem?

Local: salão "de beleza".

Ela: alta, magra, fios de cabelo impecavelmente retos e lisos, maquiada, calça e bota de couro, casaco felpudo, jóias nas orelhas e nos dedos das mãos, bolsa Channel, IPad envolto numa capa de couro Louis Vuitton, IPhone no colo.

Ela recebe a notícia de que a manicure ligou dizendo que está atrasada por causa do ônibus que não passou no horário.

Ela: ah, isso é muuuiiinnnta sacanagem!

A gerente do salão explica que colocará outra no lugar, ela abre a boca, mas o Iphone toca.

Ela: Alô!

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Ela: Maria, eu já disse que preciso de você no domingo, não disse? No sábado até te libero, mas no domingo as meninas têm apresentação no clube e depois uma festinha, lembra?

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Ela: Então, no domingo não dá.

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Ela: Mas ele vai ter prova a semana que vem toda? Então não adianta estudar só sábado e domingo. Não vai adiantar você ficar estudando com ele no final de semana, ele tem que começar a estudar hoje.

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Ela: Começa a estudar hoje à noite e estuda até sexta à noite.

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Ela: Ah, espera aí! Ele vai ser coroinha na missa de domingo? Mas não tem semana de provas? Então não pode ser coroinha. Se tem prova, essa é a prioridade, não vai ser coroinha.

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Ela: Bom, Maria, se vira, no domingo eu preciso de você, já tinha falado da apresentação das meninas e da festinha. Eu te ligo na quinta à noite de novo, até lá você pensa como vai fazer.

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Ela: Tchau. Um beijo.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A lua, as estrelas e uma base

Eu conheço um menino que fez uma lista de compras: ovos, cenoura, bolo e uma lua. A mãe perguntou se ela alcançaria a lua, ao que ele montou em suas costas e ofereceu ajuda. Você consegue, ele dizia, você consegue. E esticou os braços.

Esse menino que viu a mãe preparando uma mala para viagem e antes que ela fosse fechada colocou ali dentro, pela última fresta do zíper, uma maquiagem. Era da mãe, mesmo que ela não a usasse mais. Nessa noite a mãe sentiu medo de dormir sozinha. Só conseguiu quando abraçou o potinho branco da base vencida pelo tempo.

Hoje pela manhã esse menino me convidou para procurarmos estrelas e eu aceitei o convite.

domingo, 6 de maio de 2012

Uma flor, uma lágrima e uma saudade

Um dia ele me disse que conheceríamos a América por terra e água e nos casaríamos na Costa Rica porque eu era a mulher da vida dele e ele não passaria nem mais um dia sem me dizer "eu te amo eu te amo eu te amo". E na volta teríamos quatro filhos, dois homens e duas mulheres, e o primeiro dos meninos se chamaria José. Os outros eu poderia escolher. E moraríamos numa casa com quintal para brincarmos com as crianças e os dois cachorros nos finais de semana. E na hora de dormir ele leria Vinícius para mim porque eu era a menina com uma uma flor dele. E eu ficaria chorosa e adormeceria deitada numa rosa. E morreríamos de mãos dadas e cabelos brancos e antes de fechar os olhos pela última vez, ele me diria "obrigado por tudo, minha menina". E teríamos sido felizes para sempre. Um dia ele me disse tudo isso, mas não me lembro quem ele é.

domingo, 29 de abril de 2012

De um passado recente...será que já postei?

O CONSERTADOR DE ALMAS

O senhor quer saber por que estou aqui?

...

Eu estou aqui não porque meu casamento rachou com a batida da porta, nem porque tenho medo – não, medo eu tenho de perder o emprego e de encontrar patinhas de barata na comida do restaurante; o que eu sinto é pavor, uma indizível estremeção de ter que enterrar um filho, e nem estou aqui porque me pergunto todos os dias, e se chover?

Eu estou aqui por causa da bolha que habita o meu estômago e de quando em quando se expande até a garganta e os dedos dos pés e das mãos, me amaldiçoando por eu ter apenas esse espaço para oferecer. Mas existem pernas e braços infinitos?

E quando sua inconformidade atinge a loucura, ela sobe para a minha cabeça e se autoinflama, como uma criança que desejasse ganhar o prêmio pela maior bolha de sabão já feita, soprando até o limite para não estourar, o espaço exato onde nenhuma gota de ar a mais caberia.

Eu fico como um balão perdido sobre os homens, aterrorizado com o azul que não está acima de nós, jogado pela ilusão a todos os cantos de uma cidade que não reconheço, gritando numa língua que ninguém entende, até a bolha se autoesvaziar e me dar um pouco de tempo na concretude em que também não me encaixo.

Comecei com chá de hortelã e de folha de maracujá, passei para Maracugina e passiflora. Divã, quatro paredes e nenhuma palavra solta. Lexapro e Rivotril. Uma poltrona, dois olhos em mim e os meus na janela. Estou cansada estou cansada estou cansada – só tenho essas palavras que ninguém entende para dizer. Ansiolíticos debaixo da língua e dentro da veia. Alimentei a bolha com ar e cinzas.

Em nenhuma dessas caixas e cômodos encontrei o homem do conserto.

E hoje, ele veio?

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O grama da grama ou a gota d'água

E eles se separaram por causa da grama que não cobriu toda a terra e transformou os dias de chuva em dias de lama.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A faixa

Se ela acelerasse, corria o risco de parar em cima da faixa de pedestres. Não foi. O taxista, logo atrás, meteu a mão na buzina como se o dia estivesse terminando e não começando, gesticulou e gritou: vai porra, vai. Ela não foi: a faixa! O jovem mendigo, olhos azuis escondidos sob a pele encardida, levantou com o saco de pertences nas costas e também gritou: se mexer com a mina eu te meto a mão, filho de uma égua!

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Inteligência

Dia 02 de abril de 2012, numa barraca de frutas numa esquina das Perdizes, São Paulo capital:

- Por favor, senhor, quanto é a fatia da melancia?
- R$ 1,50.
- Quero duas.

Chego em casa e ao guardá-las na geladeira vejo que o senhor desdentado me entregou três.

Dia 09 de abril de 2012, no mesmo local:

- Quero duas fatias de melancia, por favor.
- R$ 3,00.
- Mas eu vou pagar R$ 4,50 porque na semana passada eu pedi duas fatias e quando cheguei em casa vi que o senhor me entregou três.
- Ãh?
- Semana passada eu pedi duas fatias. Paguei pelas duas. Mas quando cheguei em casa vi que o senhor me deu três. E eu comi. Então hoje vou pagar por essa fatia a mais, entendeu?
- Ah, você é muito inteligente.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Ah, os taxistas

Tem de tudo e eu já vivi bastante desse tudo.

Um que brigava com a ex-mulher pelo celular enquanto passava no farol vermelho e cortava os outros motoristas e que me colocou para fora do carro quando eu pedi para ele usar o telefone depois que me deixasse.

Outro que se achava o Anjo Gabriel e que jurou que dentro de um ano eu estaria grávida. (não, eu não engravidei)

Um senhor que me pegou às sete da noite debaixo de uma tempestade e recebeu uma ligação da filha pedindo ajuda para levar a netinha (dele) pro hospital. Saí correndo do táxi e paguei o suficiente para umas cinco corridas.

O ex-executivo de um banco que não conseguia arranjar emprego na área.

O mocinho atento à novela que passava no DVD e que paquerava todas as motoristas ao seu redor.

O jovem bonitão cheio de charme que, se quisesse, podia ser bem feliz no táxi.

O outro que conseguiu formar uma filha médica e outra química.

E hoje foi dia de conversar com o taxista sobre Eça de Queiroz, Dostoiévski, Machado de Assis e José de Alencar.