segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O baile

Em um instante, pequenas gotas de purpurina reluzente bailavam ao meu redor.
Lindas... brancas, vermelhas, amarelas... alternavam-se descompassadamente no descompasso dos meus pés.
Estáticos, buscavam um ritmo que não mais lhes pertencia.
Um tempo sem medida trouxe os beijos não trocados, os projetos relevados, os sorrisos trocados...
Trouxe todas as possibilidades que um rodopiar pode proporcionar.
Girar, sonhar, lembrar, temer...
Sem avisar, também parou.
As luzes não mais rodavam.
O descompasso é do coração.
No corpo, tremor.
Foi o momento do encontro entre tudo o que se teve e tudo o que tememos não ter...
Brilhos estáticos piscam...
Carros passam...
O policial se aproxima.
- Sim, seu guarda... estou bem...um pouco nervosa...não estou ferida... preciso buscar minha filha...

Outubro 2011

E na última manhã do mês de outubro de 2011, dia das bruxas (ah!), o barulhinho da chuva na janela (aquele que pede mais umas horas na cama) é invadido pelos gritos de um homem que arrebenta os pulmões ao chamar alguém de "viado desgraçado filho da puta" várias vezes. No fim, com todo o ódio que ele podia juntar, solta um "vou te pegar". Eu me encolho na cama, depois de ter perdido as contas de quantas vezes levantei essa noite, e fico esperando o som do tiro, mas ele não vem. Eu então continuo encolhida dizendo bem baixinho "vai, outubro, vai...xô xô xô".

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Despenhadeiro


Quando eu vejo o tanto de gente andando pelo metrô na mesma hora e penso que nesse exato momento as ruas também estão saturadas de motoristas e pedestres e que também estão cheios de pessoas os escritórios, os supermercados, as fábricas, os shoppings, as escolas, as universidades, os centros de convenções, os hotéis, as padarias e logo mais os restaurantes, eu me assusto, paro de pensar e sigo. Em frente.

Vício.

Hoje os meus jornais atrasaram. O Estado e a Folha só chegaram às 8h40, depois do Globo. Eu já tinha percorrido os sites de notícias na internet, mas enquanto não senti o cheiro do papel e da tinta nada parecia real.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Só queria dizer que te amo

Ontem aprendi que, quando estou num avião, quer eu goste ou não, entre V1 e V2 estou no limbo.


Hoje, aprendi que bate-boca rola em qualquer lugar, na frente de qualquer um, usa-se qualquer palavra.
E tudo isto parece real num mundo virtual.


Em mil novecentos e oitenta e um, aprendi a dirigir e hoje não sei ensinar isto à minha filha.


Um curso de programação neurolinguística me ensinou a resgatar sonhos.


Acordada, sonhei em ser escritora.


Estudando, entendi que expressar o que sinto, não é suficiente.


Tudo isso... e o que eu queria dizer era tão simples...



27 de Outubro de 2011

Hoje a Shei vem para cá. Passar o final de semana comigo em casa. Gosto tanto de receber gente em casa. Gosto tanto de ficar muito tempo com minhas amigas. Às vezes sinto falta, sinto sozinha. Vontade de voltar à adolescência quando os amigos ficavam juntos unha-carne, o tempo todo. Por mais que eu ame a solidão e a privacidade de morar sozinha, sinto como se a minha existência só fosse válida quando estou com o outro. Shei chega hoje para validar minha existência. Nós não vamos escrever na agenda, ou pentear o cabelo uma da outra. Mas vamos ser amigas, daquela maneira que só as meninas conseguem às vezes.

Solução para o trânsito de São Paulo - um pedido para o Kassab

Quatro e meia da tarde e eu parada dentro do carro na Avenida Brasil. Esquina com a 9 de Julho, também congestionada. As pessoas não trabalham dentro de algum lugar a essa hora? Eu ali irritada porque provavelmente chegaria atrasada ao meu compromisso, com medo dos motoqueiros que chegam perto demais do meu carro, cansada das músicas do rádio e do MP3, indignada com a falta de educação dos motoristas e com a minha teimosia em ainda me indignar com essas coisas, pensando em como sou feliz por não dirigir tanto em São Paulo e então eu olho para a calçada e vejo ele. Ele, um homem na faixa dos quarenta, acho eu, com uma bermuda preta e sem camisa, com o peito perfeito perfeitamente nu, apenas com uma faixa preta do Polar que media seus batimentos cardíacos, suado na medida certa. O semáforo está fechado para ele e enquanto ele espera bebe um pouco de água e dá uns pulinhos para não esfriar. Há quanto tempo eu não virava o pescoço para um homem mesmo? Juro que me deu vontade de abrir o vidro, meter a mão na buzina e começar a gritar "lindo lindo lindo". Não sei por que não o fiz, seria divertido e já passei da idade de me preocupar com o que um homem vai pensar mesmo. Não fiz nada, fiquei trancada no meu carrinho agradecendo aquela visão e fui embora pensando nele, bem mais animada.

O prefeito podia achar mais uns rapazes como ele e colocar correndo pelas nossas ruas. Nós ficáríamos tão mais alegres nos nossos carros e seria bem mais divertido dirigir por uma cidade onde as mulheres passassem algum tempo buzinando e gritando pela janela "lindo lindo lindo".

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

26 de Outubro de 2011

Às vezes parece que eu só reclamo. Sou uma rabugenta! Por que depois de decidir fazer algo eu preciso achar um defeito? Por que tenho de estar sempre ou muito cansada, ou arrpendida, ou entediada, ou simplesmente desatachada e só? Talvez seja só meu inconciente acostumado às decepções. Talvez seja ele querendo me deixar protegida, me abraçando igual a mãe de filho único dizendo fica-aqui-que-nada-vai-te-acontecer. Talvez se eu não me empolgar com nada, não tenho nada  a perder. Mas eu tenho. Tenho vida. E isso já é tudo o que se pode perder e se arrepender. Nenhum homem é uma ilha. Nenhuma mulher é um continente.

O que voce quer ser quando envelhecer?

Lá pelos idos da década de setenta, quando alguém perguntava a uma criança "o que você quer ser quando crescer?", a resposta poderia ser "salsicha!"
Claro que haviam respostas do tipo engenheiro, advogado, médico, bailarina ou professor. Bombeiro, provavelmente. Meu filho, quando tinha uns oito anos, respondeu motoboy. Quase tive um enfarto.
Em muitos casos, depois da decisão tomada, é um caminho de mão única com desvios naturais ou não, terreno acidentado ou plano - todas essas coisas que caminhadas que tenham a sua duração estimada em setenta e três anos e dois meses, de acordo com o IBGE, encontram. Ou não.
Muitas perguntas vão aparecer também, mas dificilmente, num bate papo de bar, no almoço dominical ou no casamento do primo distante (onde o que você quer é encontrar alguém que seja o seu número), irão te perguntar: o que você quer ser quando envelhecer?
Hoje em dia, tem algumas pessoas perguntando isso para seus clientes - o moderno "coaching" tem essa como uma de suas perguntas poderosas. Mas você já perguntou isso para si próprio?
Assisti a um video, que fez com que eu me perguntasse o que quero ser quando envelhecer. Ponte.
Simples assim.
Até pensei no meu epitáfio:
"Aqui jaz uma ponte. Interligou pessoas, proporcionou caminhos, encurtou distancias. Descanse em paz."

E você. O que vai ser quando envelhecer?

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Abaixo o link e o convite para que assista o video.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

24 de Outubro de 2011.

Me apaixonei. Completa, irremediavelmente. Por uma academia. Sabe quando você entra em um lugar e se imagina lá dentro? Imagina sua vida acontecendo ali dentro? Você chegando com o rabo de cavalo balançando na cabeça. Sorrindo e fazendo "Hi5" com o treinador. Olhando a programação das aulas de dança com um squeeze na mão. Enrolada em uma toalha felpuda ouvindo o barulhinho da água no spa. E, o melhor de tudo, mais magra e mais durinha. Como pode, meu Deus!? Eu sempre faço filminho quando conheço algum mocinho novo, ou quando o George Clooney sai na capa da revista. Mas fazer filminho com academia? Como pode? Assino onde?

Depende

Saio de casa e antes de ir para a reunião resolvo entrar na padaria da esquina. Na fila do caixa, um homem na faixa dos cinquenta anos olha para mim e diz "gostei do seu estilo". Eu, educada que sou quando quero ser, agradeci ao mesmo tempo em que olhei para ele. Voltei para casa e troquei de roupa.

Segundona

Num dia desses, onde parece que o mau humor impera, a saudade do final de semana é quase insuportável, assim como os dias que antecedem o próximo final de semana, foi bom relembrar uma coisinha que passa em branco muitas vezes.
O bem, está sempre à frente do mal. Mesmo que só um tiquinho, isso me deixa aliviada e feliz.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

E na outra mesa ao lado...

- Lá la ri la ra rááááá!!!!!
- Gabi, páre.
- Vem aqui, Mona... lá la la ri la la lááááá!!!
- Gabi, pare, Gabi. Já falei. Senta. Senta, Gabi, aqui, agora. To mandando...
- HAAAAAAAAAAAAA!!!!! Lá la ri la ra rááááá!!!!! Roda, Mona, rodaaaa...
- Gabi, pára já com isso. Senta. Mona, voce também. As duas, sentadas. Olha, vou cancelar o pedido e não trago mais voces aqui.
- Lá la ri la ra rááááá!!!!! Hahahahahahaha!!!! Olhas as pedrinhas...
- É assim? Vou cancelar tudo... Garçom, garçom, pode cancelar tudo, elas não se comportam... ah! Vai se sentar?
- Lá la ri la ra rááááá!!!!! Sentei mãe... SEEEEEENNNNNNTEEIIIIIIIII Lá la ri la ra rááááá!!!!!
- Gabi, mais baixo, filha. Mais baixo... voce não sabe se comportar. Olha, não trago mais nenhuma de voces duas aqui. Gabi, voce se comporta pior que a Patricia, não pode... shhhh....shhh... já pedi.
Lá la ri la ra rááááá...
- Melhor, filha... olha, chegou o pedido... agora come.

...


- Lá la ri la ra rááááá!!!!!
- Gabi, páre.
- Vem aqui, Mona... lá la la ri la la lááááá!!!
- Gabi, pare, Gabi. Já falei. Senta. Senta, Gabi, aqui, agora. To mandando...
- HAAAAAAAAAAAAA!!!!! Lá la ri la ra rááááá!!!!! Roda, Mona, rodaaaa...
- Ai meu Deus... garçom, por favor, a conta... Gabi pára, pára... já pedi....
- Lá la ri la ra rááááá!!!!!

Não arremessei um livro, pois não estava lendo... e o laptop não me pertence.

E na mesa ao lado...

o homem com pele, cabelo e corpo de cinquenta anos disse que tinha quarenta e um e precisava de Rivotril para dormir porque não conseguia parar de pensar no divórcio e nos filhos e no emprego público que tinha e que não lhe dava dinheiro e as mulheres hoje (e ontem e amanhã?) não querem inteligência nem companheirismo nem carinho nem um corpo bonito. Elas querem dinheiro. Muito dinheiro. E ele não tem dinheiro.

Ele quer dinheiro para ter mulher paga ou não (ou somos todas pagas?). E no fundo nós vivemos à procura do sexo. É isso? Ou amor?

Eu pensei em tentar acalmá-lo. Talvez pedindo para ele respirar. Talvez dizendo que sim, nós gostamos de dinheiro, mas também não é tanto assim (ou é?). Talvez dizendo que não é só a alma dele que dói (e aí eu me apresentaria?).Talvez...talvez dizendo para ele se entupir de Rivotril que era o melhor a ser feito.

Ah, continuei lendo O Nariz de Gogol.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Olhar para trás


Por causa de uma moto eu olhei pro retrovisor e vi essas árvores num cantinho da Praça de Sé, esquecidas no meio de tanto concreto e fio e ferro e poluição e medo. Tomei um susto que ali de dentro do carro, trancada quisera eu a sete chaves, soltei um "vocês, aí?". É, às vezes olhar para trás faz bem.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Fui assaltada, graças a Deus!

Ontem terminei meu dia de trabalho trancada no banheiro de um estacionamento tentando evitar ser vítima de um assalto. Explico: assim que abri a carteira para pagar, o manobrista disse para eu me esconder, pois um cara armado estava vindo na minha direção. Como não entendi bem, o manobrista quase me jogou no banheirinho. De dentro do banheiro ainda avisei um casal que estava entrando no carro e os dois foram embora rápida e discretamente. E eu fiquei ali no banheiro pensando se o cara tinha me visto entrando ali e se viria atrás de mim. Será que ia querer o carro ou o carro e a bolsa? Coloquei o telefone para vibrar para ele não me descobrir ali caso alguém me ligasse. E se ele ficasse irritado por eu ter me escondido, será que iria atirar em mim, me bater ou até mesmo me estuprar naquele banheirinho sujo? Eu não sei quanto tempo fiquei ali trancada, mas foi tempo suficiente para eu viver o medo, na minha opinião, o sentimento mais devastador para o ser humano.

Quando vieram me chamar, a vítima, um homem que estava na porta do estacionamento que eu nem sei se estava com o carro ali ou não, ainda estava tremendo no chão. Ficou sem a bolsa ou a mochila, não sei direito. A intenção inicial do bandido mesmo, ninguém sabe e não interessa. Voltei para casa tremendo e quando cheguei e vi meus filhos dormindo, chorei muito. Muito. Só pensava em onde poderia enfiar meus filhos para protegê-los desse tipo de violência.

A vida e suas circunstâncias já nos provocam dores suficientes e inevitáveis. A morte está aí na porta para todos, as doenças são inúmeras e atingem até crianças, acidentes dentro e fora de casa acontecem, há amores não correspondidos, desemprego, desilusões, crimes passionais, suicídios, pobreza e miséria, só para dar alguns exemplos. Tudo isso eu consigo aceitar, não sem dor. Perdi um namorado aos vinte anos depois que ele pulou num lago. Minha melhor amiga sofreu um enfarto aos vinte e três anos e me deixou um buraco no peito. Amigos sofreram acidentes. Meu filho fez uma cirurgia com um dia de vida. Já deixei de ser amada. Tudo dói. Mas a violência urbana eu não consigo aceitar, eu me recuso a aceitar como um fato inevitável da vida, pelo menos na proporção em que a vivemos em São Paulo, simplesmente porque a violência urbana não é um fato inevitável da vida. É claro que ela não será extirpada, mas e reduzida? Nenhum morador de uma cidade deveria aceitar que faz parte da sua vida ser vítima de assalto, roubo, furto, latrocínio, seqüestro etc. O morador de uma cidade tem o direito de andar por ela com segurança. O tamanho da frota de carros blindados em São Paulo é uma das realidades mais tristes que vivemos! Só eu já tive pai e mãe vítimas de roubo a mão armada, irmão com carro furtado do estacionamento de um shopping, amigo que ficou sem o notebook da empresa em plena Marginal Pinheiros, amigo trancado no salão de festas do prédio enquanto trinta bandidos faziam um arrastão em todos os apartamentos, marido vítima de seqüestro relâmpago, amiga com arma na cabeça por causa da aliança, amiga com arma na cabeça por causa de um relógio e cunhada e sobrinhos na mira de armas dentro da própria casa. Eles levam nossos carros, nossos computadores, nossos relógios, nossos celulares, nossos cartões, nosso dinheiro e nossa paz de espírito e nós damos graças a Deus porque nos deixaram dois dos nossos mais preciosos bens: a vida e a integridade física.

E eu me pergunto: qual é o limite para agradecer a Deus? Se matarem um filho nosso por causa de um bem material não devemos mais ser gratos a Deus? Ou a morte é um limite muito extenso, aceitamos até que eles sofram uma lesão corporal mas fiquem vivos? E a lesão psicológica, entra no agradecimento ou não? Uma criança de dez anos que escreve uma cartinha para um amigo de outro país e apresenta a cidade em que mora como violenta, é um fato que se agradece ou não a Deus? Qual é o limite? Está dentro do nosso rol de pessoas queridas ou a gente só para de agradecer a Deus quando seqüestrarem e matarem os netos do governador, pra que ele aprenda a chefiar uma polícia? Se alguém, por favor, puder me dizer qual é esse limite, aí eu agradeço. Quem sabe conhecendo esse limite eu volte a ter alguma paz de espírito.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Esforço

Na cozinha, começo a esquentar as alcachofras que serão servidas em nosso jantar, estamos de dieta e hoje somos só nos duas. Mãe e filha.
Enquanto não ficam prontas, Camilla prepara o molho que acompanhará cada folhinha de alcachofra e eu começo a picar as folhas de couve prá fazer suco. Papo vai, papo vem - época de vestibular, as dúvidas, a carreira, o que fazer, prá onde ir, qual é a melhor faculdade, a amiga que desistiu no meio do curso, etc e tal.
Uma conversa prá cima, construtiva, cheia de trocas e carregada de amor e confiança no futuro.

...

Ligo a TV, está na Globo e assistimos parte do Jornal Nacional. Se não fosse o jantar, a conversa e o sorriso dela, eu juro que desistia. Acreditar, depois de ter assistido o JN, exige muito de mim.

Crônica de uma manhã chuvosa pós-feriado

Mesmo dormindo a gente escuta o barulho das gotinhas acariciando a janela, convidando-nos para um sono mais gostoso. Mas meu sonho é interrompido às cinco da manhã pelo choro de um bebê que hoje é a razão da minha respiração, mas são cinco da manhã, está escuro lá fora, chove de leve e minha cama está quentinha, de forma que mesmo sendo a razão da minha vida, esse bebê com seu choro me irrita e me faz ter vontade de fugir de casa para o lugar mais silencioso já encontrado na Terra (alguém sabe onde fica, by the way?). As gotinhas dizendo "dorme dorme dorme" e o choro dizendo "acorda acorda acorda". O choro vence.

Quando o apartamento começa a ficar mais claro eu me alegro: agora já não é mais tempo de ficar na cama mesmo. Troco a fralda cheia do bebê, acendo as luzes e olho para minha cama vazia e sonho: se eu não precisasse desse maldito e bendito dinheiro, hoje eu poderia passar o dia na cama ao lado de Gogol. Eu leria umas páginas até o sono embaralhar as letras do livro e quando percebesse já estaria acordando para ler um pouco mais. Faria anotações no meu caderninho vermelho, teria ideias para um texto, leria um pouco mais, dormiria, abraçaria meu travesseiro e diria "eu te amo" para a minha cama quentinha. Mas como não sou rica, não sou filha de rico, não sou esposa de rico e gosto de dinheiro para comer bem, comprar roupas caras, viajar, comprar livros, pagar cursos e boas escolas, ser atendida por bons médicos em bons hospitais e dirigir carros confortáveis, explodi a nuvenzinha com o sonho e fui tomar meu banho e dirigir meu carro até o escritório.

Antes de subir até o terceiro andar, pausa para o café com pão de queijo na cafeteria que eu adoro ter ao lado do prédio. Já sentadinha na minha mesa, me animo com os emails e com a preparação da palestra da semana que vem. É, apesar do sono, do cansaço, do dinheiro que eu preciso correr atrás, eu me animo. Não deixa de ser um bom dia para o trabalho e para o estudo do Direito. E Gogol...ah, ele pode me acompanhar no almoço.

Bom dia!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Datas

No ducentésimo octagésimo quinto dia de um ano que não seja bissexto, comemora-se a padroeira brasileira e os infantos.
Os esquecidos desta data são: a leitura, o cirurgião pediátrico, o agrônomo, o corretor de seguros e o mar. Estão contemplados em algum calendário, nada além disso.

Entre a padroeira e os infantos, fiquei com a segunda opção e a energia que tive hoje, investi no meu filho. A santa que me perdoe.

O mar e a leitura, eu também gostaria de ter celebrado... fica aqui, minha homenagem a ambos...

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Lágrimas

Em um dia meu filho chora porque o carrinho não andou como ele queria, não quer comer mamão, não quer tomar banho, não quer vestir a meia e depois não quer tirar a meia, o irmão puxou seu cabelo, eu gritei, quer ver o DVD do nemo do carro vermelho da zebra dos monstros da mônica do pica-pau das galinhas e finalmente porque não quer dormir.

Eu olho para a existência aos dois anos e penso que ele deveria economizar lágrimas para o que vem pela frente. Mas eu só penso.

Retorno

Pasta de um lado, bolsa de outro. Priorizo a bolsa.

Lápis, caneta, batom, recibos de cartão de débito e de crédito, contas a pagar, clips, óculos com e sem caixinha, cartões de visita - os meus e os teus - celular da empresa, celular pessoal, necessaire, carteira, papel de bala, bala e uma bela saculejada em cima da lixeira prá garantir que está vazia. E limpa.
Rasga, rasga, rasga - responde um email - rasga, rasga, rasga. Quanta papelada inútil!
Guarda, guarda, guarda - custa colocar as coisas no lugar depois que usou? - organiza, organiza, organiza. Pronto.

Acho que bagunço tudo prá poder organizar depois. Coisa de louca. Ou bagunceira?
Voltar das férias é um saco. Tudo bem, gosto do que faço - aliás, gosto muito - mas estava bom "lá".
Na terça feira, praticar o ritual das segundas, ajuda no processo de transição. Me engana que eu gosto...

O que ajuda mesmo neste retorno, é o sorriso do Daniel, o porteiro da garagem, acompanhado de um "que bom que voce voltou!". Na sequencia, vem Nelson com seu sorriso acanhado e o "bom dia, Dona Sylvia, pensei que não voltava mais", Doret com sua doce pronuncia "gerrrrrrrmanica", um abraço e o beijo de boas vindas e ainda o café "que presta" da Kelly, acompanhado de pão francês fresco "pois eu sabia que você voltava hoje".

Tenho que admitir. Para algumas coisas, voltar é bom.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

10 de Outubro de 2011

Eu tive uma epifania. No meio da meditação. Boa, linda. Cheia de amor e perdão.
Tão forte e inexplicável. Que apenas deixei as lágrimas brotarem. Deixei meu coração se entregar. Deixei a vida me abraçar.

Outubro de novo

Ai, não é por acaso que o dia das bruxas é em outubro, é? Mas medrosa do jeito que sou, vou parar de reclamar porque nada é tão ruim que não possa piorar.

domingo, 9 de outubro de 2011

09 de Outubro de 2011.

Hoje eu perdoei. Hoje eu deixei ir. Hoje eu comi metade de um bolo de cenoura com cobertura de chocolate.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O descanso da Gravidade

Ela bem que tentou, mas naquela manhã a Gravidade não conseguiu sair da cama. Devia ser a exaustão de bilhões de anos de trabalho sem um momento de descanso. Nesse dia a Gravidade descobriu que as forças acabam, até a sua.

Ela gostou. Estranhou, mas gostou de ficar na cama esticada, virando de um lado pro outro, sem compromisso algum. Estava incrivelmente leve.

Enquanto isso, do lado de fora, bilhares de pessoas despencavam. A granda maioria agarrada aos seus celulares e computadores. Era desprendidas: poucas tentaram se agarrar aos carros.

Lágrimas férteis

Avenca em tempo de seca, desfolha.
Perde seu verde colorido, cede espaço para um amarelado e tem como destino um voo leve.
Desprende-se pouco a pouco daquelas hastezinhas pequetitas, que até então sustentavam seus verdes e vai de encontro ao solo.

Seca, em países tropicais, tem tempo certo para durar.
Nada matemático, nunca programado, mas sempre certeiro.
Tempo é assim. Incontrolável.

E neste momento, a avenca chora.
Toma emprestada as gotas que o céu manda para todos e assume que são somente dela. E para ela.
Chora copiosamente... sem perceber que neste momento, na confusão de seus sentires, está alimentando a si própria.

Folhas verdes estão por vir...

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Medo

Até a minha primeira gravidez, quando me perguntavam do que eu tinha medo, eu respondia de pronto: de sapo. Era muito simples. Esse medo me persegue desde as minhas primeiras memórias. Não é nojo como do rato, nem era um medo como do escuro. Era e é pavor. "Ah, mas o que um sapo pode fazer?", ao que eu respondia que esse medo não tinha nada de racional, de forma que essa era uma pergunta impertinente. O que eu sempre senti é que o sapo pode me matar porque ao vê-lo eu sempre tive e ainda tenho a sensação de que meu coração vai parar e o ar vai me faltar. E a gente não morre com o coração parado e os pulmões fechados?

Quando eu tive meu primeiro ataque de pânico, já adulta, dentro de um escritório de advocacia no meio do expediente, fui levada para o hospital com a cabeça para fora do carro gritando que eu não conseguia respirar. Meu corpo formigava e eu tinha a certeza de que meu coração ia parar de tanto bater naquele momento. Depois de medicada e diagnosticada, eu descobri: era isso que o sapo pode fazer comigo. Minha conclusão, que não conclui nada, é a de que o pânico sempre estava escondido dentro de mim na forma de sapo.

Depois da primeira gravidez, porém, a resposta mudou. A lista aumentou e eu me pergunto do que não tenho medo hoje. Sim, porque depois que a Luciana mãe nasceu, eu passei a ter medo da morte, de todas as doenças (de uma gripe ao câncer até ebola), de vírus e bactéria, de viajar de avião, de carro, de trem ou de navio, de andar a pé e de bicicleta, de estupro, assalto, latrocínio, furto, roubo e qualquer forma de sequestro, de agrotóxico, conservante e corante, do capitalismo, do socialismo e muito mais do totalitarismo, do desemprego, da falta de dinheiro, do fim do mundo, dos meteoros, dos raios de sol, do buraco na camada de ozônio, do desmatamento e da falta de água, do preconceito, da ambição, do vestibular, das nossas escolas, das babás, dos hospitais, do mal, da cidade grande, da chuva ácida e agora até do Toddynho, meu Deus!

Ah, mas e o medo do sapo? Sumiu debaixo de tantos outros? Hummm...não. Ainda está aqui, no centro dessa massa pavorosa. E embaixo dele, escondidinho, shhhhhhhh, vou falar baixinho para ele não acordar: embaixo do sapo, quase invisível, está o medo da Matemática.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Outubro

Outubro não chegou bem dentro de mim. Ele me invadiu todo pontudo, cheio de arestas me cutucando, difícil de se encaixar nesses órgãos arredondados, incômodo. Como ele não terá por onde sair nos próximos vinte e sete dias, estou esperançosa de que ele se acalme e se adapte à minha forma.

sábado, 1 de outubro de 2011

Pirenópolis

Ouvi coisas...
Estavam além da minha compreensão.
Buzinas conversam com meus ouvidos e traduzo o que dizem.

Hoje, ouvi coisas...
Procurei e nada encontrei.
As folhas me observavam e tentavam me compreender.

Hoje ouvi.


O homem que estava pendurado no sol (ou Sou malabarismos de gavetas)

Sonhei que estava pendurado no sol. E o calor me queimava.
Acordei.
Percebi que estou realmente pendurado no sol. E o calor me queima.
Nem lembro como cheguei até aqui. Mas sei como o calor chega até os meus ossos: ele entra pelas minhas frestas, reesburaca os espaços vazios que vivem em mim, sou espaços vazios?, acho até que não são os espaços vazios que existem em mim, mas sim eu sou feito de espaços vazios, sou gavetas.
É estranho estar pendurado no sol. Minha carne pulsa bem mais do que antes. É como se eu todo fosse um coração. Olho para baixo e só vejo escuro. Olho para cima e só vejo luz. Não dá para identificar a Terra, nem qualquer outro planeta. Aqui é puro extremo. Estou dentro do extremo concreto. E preciso deixar claro que estou pendurado no sol por vontade própria. Não lembro como cheguei até aqui, já falei. Mas está claro para mim que só continuo aqui porque estou segurando uma corda que está presa ao sol.
Se me jogo para o escuro, fim. Se me jogo para a luz, fim. Se continuo aqui, fim também. Ou seja: até o caminho do meio é uma falácia. Não há caminhos do meio nem dos extremos. Existem apenas caminhos, intensos malabarismos de impulsos e direções.
Há mais alguém pendurado no sol?  (André Gravatá)