quarta-feira, 21 de março de 2012

Eletroneuromiografia


O objetivo: averiguar a causa da dormência no meu braço esquerdo.

Deito na maca. A assistente pede para eu colocar as mãos sobre a barriga para aquecer os nervos dos membros superiores. O médico entra na sala quinze minutos depois:

- Ué, veio sozinha? Sem mamãe ou marido?

- Ué, era para vir acompanhada?

- Não, mas uma melhor amiga nessas horas ajuda a distrair. O exame não é muito agradável...

Peço para ele não me explicar o que vai acontecer. Sou a pessoa mais sugestionável que conheço. Nas aulas de Ciências sentia os sintomas da esquistossomose e os pés pesados da elefantíase.

O médico respeita o meu pedido enquanto me faz perguntas sobre a minha profissão, meu casamento, minha família, meus hábitos alimentares, minha cor preferida e conecta vários fios na minha mão e braço esquerdos. O mínimo ele precisava falar:

- Vou começar. Você vai sentir um choque. Se ficar muito ruim, me avisa. Pronto?

- Aaaaaaaaaaai...que é isso? O exame todo vai ser assim?

- Não. Você vai se acostumar.

- Aaaaaaaaaaai...que porra é essa?

- Então, tenta relaxar, manter o braço solto. Se você contrai a musculatura eu tenho que aumentar a intensidade do choque.

- Aaaaaaaaaaai...aaaaaaai. O senhor vai me indenizar no final, não vai?

- Quer desistir?

- Não. (além de querer descobrir a causa da dormência, já tenho que aproveitar as três horas que risquei da agenda para fazer o exame)

- Vocês mulheres são ótimas. Nenhum homem aguenta sofrimento e dor como vocês. Os barbudos que entram aqui desistem, falam que vão voltar e não voltam...

- Aaaaaaaaaaai...o senhor foi torturador na ditadura, não?

Não controlava mais a minha língua. Queria chorar, sair correndo, mas não precisava falar isso para o médico. Ele não pareceu se ofender, será que foi torturador mesmo? Eu precisava pensar em outra coisa, continuar, queria acabar logo com esse exame. Pensei mesmo nas pessoas torturadas enquanto ele continuava falando...

- E homem idoso então?

- O quê? O senhor também dá choque em velhinhos?

- Ué, aqui vai de zero a cem.

- ...

- Todo mundo pode ter uma doença nos nervos.

- ...

- Na verdade eu sou um eletricista, né?

- O senhor faz esse exame em bebês?

- Faço, claro. As doenças não escolhem faixa etária.

Mais choques. A pior sensação física que eu já tinha sentido até aquele momento. Comecei a chorar, quieta. Não tinha mais o direito de gritar e xingar o médico. Uma hora e meia de choques. Foi a segunda pior sensação física que já senti porque depois vieram as agulhadas. O médico disse que usou uma agulha bem fina e eu acreditei, mas cada vez que ele enfiava – com firmeza e precisão, aquela agulha nos meus braços, mãos, na pele entre os dedos, nos ombros e na nuca eu me sentia um alvo recebendo um dardo. Chorei mais. Num silêncio ainda maior. Aquele exame também era feito em bebês e crianças.

Depois de duas horas e meia naquela maca, o médico me parabenizou e compensou minha dor física com balinhas e chocolates. Eu comi, mas o gosto estava amargo.

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