quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Morte minguante

Se eu morrer agora...

Nada indica que eu vá morrer agora. Estou na sala de uma casa rodeada de pastos por onde circulam também cachorros e pássaros, numa região em tempos de paz, longe da estrada e da rota dos aviões. Só umas mariposas à procura da luz que me serve passam por cima da minha cabeça silenciosa.

Choveu o dia todo. Duvido que alguma palha fugida de um cigarro aceso possa colocar no mato um fogo capaz de me encontrar aqui parada. Não ouço mais trovões e ao redor dessa casinha a árvore mais alta é uma roseira.

Sinto meus órgãos e células em bom funcionamento. Nenhum câncer sorrateiro me corrói, o colesterol está como deveria estar e a pressão...não há nenhuma pressão por aqui. Pareço uma menina, foi o médico quem disse.

Então é quase impossível que eu enfarte agora, sentada à mesa de jantar em frente a um bloco de papel e uma caneta. Com exceção de um tio que sofreu um derrame no meio da noite, todos aqueles que carregaram o meu sangue antes de mim morreram porque chegaram ao fim. Portanto é pouco provável que o fim chegue até mim e chegue agora.

Mas, como não duvido da criatividade da vida e das razões da natureza, se eu morrer agora, vou tomada por essa alegria que nos pega distraídos no dobrar de uma esquina como uma lufada, mas com a delicadeza de um assopro. Essa alegria que entra pelos dedos dos pés e das mãos e caminha como se andasse sobre pétalas de rosas até o útero, centro da existência. Essa alegria tão quentinha quanto uma família reunida debaixo de uma lâmpada para dividir o pão fresco no fim de uma tarde fria e chuvosa.

É difícil que eu vá, mas se eu morrer agora, levo grudada na retina essa lua minguante que do lado de lá da janela me seduz e me reduz.

Quando eu era criança, gostava de ouvir minha avó dizer tão molemente a palavra “minguante”. Eu ficava ali agarrada à sua saia, olhando para cima na esperança ainda vã de que um pedacinho quente e dourado da lua escorresse até as minhas mãos.

Essa mesma lua minguante que hoje aponta para o nascer de um sol que, eu sei, me esquentará amanhã, mas se eu morrer agora...

Luciana Gerbovic
Outubro/2011

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