domingo, 15 de janeiro de 2012

Toda a gente diferenciada

Já era 1h da manhã quando eu voltava para casa depois de um jantar e um longo papo com minha melhor amiga. Parei no farol da esquina da Angélica com a Sergipe. A mesma esquina da polêmica estação de metrô. A esquina do Pão de Açúcar e da "gente diferenciada". Na porta do supermercado estava sentado um bêbado segurando um copo de plástico. Ele estava encolhido, quase imperceptível, talvez na tentativa de chamar o mínimo de atenção e não ser enxotado da calçada. Pela porta saía um grupo animado de jovens. As meninas vestidas com saias curtinhas, brilhavam sob a luz pública, reluzindo glitter e gloss importado. Os rapazes, todos com os cabelos impecáveis. Exibiam músculos perfeitamente esculpidos dentro das mangas de suas camisetas brancas e coloridas. Ao fundo do grupo um rapaz loiro, com feições um pouco arrogantes, um pouco audaciosas. Feições que esses meninos "não-diferenciados" todos exibem antes de entrar em seus  carros e dirigirem para clubes e discotecas. O menino loiro carregava uma garrafa de vodka. O mendigo estendeu o copinho de plástico pedindo um pouco da bebida. Me surpreendi com a prontidão com que o rapaz parou para atender o bêbado. Arrancou o lacre da garrafa, jogou no chão da calçada, e com esforço tentou abrir a garrafa. A garrafa não abria. O mendigo estava com os olhos fixos no rapaz, quase não respirava, com seu copo de plástico aguardando uma dose de anestésico. O rapaz olhava para os amigos. Tentava abrir a garrafa ignorando completamente a pessoa para quem se disponibilizava ajudar. Ele tentou. Tentou. A garrafa não abria. Então o rapaz loiro desistiu. Virou as costas e seguiu o grupo de amigos. Sem dizer nada. Sem se desculpar. Sem dar uma satisfação. Ele foi embora sem nem se dar conta de que o copinho de plástico continuava no ar esticado, e que a expressão no rosto do bêbado era de um desolamento de cortar o coração. Meu farol abriu mas eu estava tão chocada com a falta de respeito que eu havia testemunhado, que não segui. Dei ré, encostei na calçada e tirei a primeira nota que encontrei na carteira para o bêbado. Ele se assustou a princípio, mas depois pegou o dinheiro e me agradeceu. Me agradeceu diversas vezes, e continuou agradecendo a Deus e me acenando sorrindo mesmo depois, quando eu já estava com o vidro insulfilmado levantado, esperando mais uma vez o farol abrir na esquina diferenciada. Uma parte de mim se sente responsável por todo sofrimento e pelo dano que a bebida que aquele homem comprar com o dinheiro que eu dei possa fazer. Uma outra parte simplesmente não consegue ver uma pessoa ser ignorada e tratada como lixo. Tanta polêmica por dizerem que as pessoas são diferenciadas. Eu só vejo pessoas.  Algumas agradecem a Deus, outras viravam as costas incapazes de olhar nos olhos daqueles a quem se dispuseram a ajudar. Naquela calçada só havia pessoas, e todas buscando serem anestesiadas.

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