sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O sofrimento da avenca

O prazo estava chegando ao final e muitos deveres e reuniões que a impediriam de escrever um conto ou uma crônica – se soubesse, ela escreveria uma poesia; ainda iriam acontecer. E ela não conseguia imaginar com que cara chegaria ao encontro daquela noite, já que desculpas eram impensáveis para aquele grupo com quem ela dividia algumas horas do seu mês e a paixão até agora mais duradoura da sua vida.

Tudo o que ela sabia sobre aquelas pessoas era o nome (de todas) e a profissão (de algumas). Não sabia de onde vinham e pra onde queriam ir, se tinham filhos, gatos ou cachorros, se tinham um marido ou uma esposa em casa, se gostavam de café curto ou com leite, se estavam felizes ou tristes naquele dia. Mas era com elas que ela dividia esse amor pelas palavras desenhadas no papel e qualquer outro detalhe dessas vidas não era importante para aquele momento. Eles se bastavam no papel. O papel bastava para eles, escrito ou em branco - branco que eles logo preencheriam. Só ela não conseguia. As horas passavam, ela já tinha almoçado e feito uma reunião, mas o papel ainda continuava com poucas letras. Ela procurava por algo especial, uma história original e bem contada, ou ao menos uma das duas coisas. Eles mereciam. Mas quanto mais pensava nisso, menos escrevia. Sentia uma leve pressão na nuca e nos ombros.

Eles haviam se juntado porque gostavam das letras. Das letras uns dos outros. E gostavam de rir e de vinho e de charuto de folha de uva e de doce de leite porque ainda não haviam provado mel. E há pouco tempo cultivavam avencas, cuidadas diariamente.

A ideia era apresentar um texto. Ela queria que fosse um presente, um conto que lhes agradasse, não para satisfazer seu ego, mas porque eles mereciam ser agradados. Ela gostaria que fosse assim, mas nada saía de sua cabeça cheia de concretudes e ela pensou em ter uma dor de barriga. Ah, pior do que isso só matar a avó.

Ela ficaria feliz naquela noite, eles sabiam produzir belíssimos textos. Enquanto sofria ela ouvia a voz de cada um lendo sua própria produção literária. E a sua? Não tinha texto, não haveria voz. Estava quase vomitando. Ah, se vomitasse uma história. Nem isso.

O tempo acabou. Ela iria assim mesmo, sem dor de barriga e sem matar as avós já mortas. Iria pedir desculpas por não apresentar nada de belo e um pouco de colo por esse vazio criativo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário