quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

E se?

Hoje, só hoje, a gente dançasse e se amasse no meio da sala, como daquela vez sobre as pedras? Eu dançaria descalça. Você foi o único que gostou dos meus pés.

Aqui sentada eu vejo tantas pessoas lá fora. Contei setenta em um minuto. Se eu ficasse aqui um dia inteiro veria cem mil e oitocentas. Num ano trinta e seis milhões setecentas e noventa e duas mil e eu não te vejo desde que nos despedimos numa rodoviária há dez anos. Eu ficando e você indo. Você e a pessoa que eu gostava de ser que só existe em você. Perdi duas vezes. Três. Você também levou o filho que não tivemos. Só me lembro de ficar ali reduzida, vendo você, eu e nosso filho partirem dentro daquele ônibus. Não sei aonde chegaram, nem quando. E se chegaram.

Só você viu em mim a alma e a cor de uma leoa caminhando sob o sol. Só você sentiu medo do meu sofrimento no futuro. Só você me protegeu da chuva debaixo de uma rocha. Só você riu quando eu explodi um pudim no meio da cozinha e caí num choro como se fosse boba. Eu até hoje não sei lidar com desmoronamentos. Fico tentando segurar destroços tão maiores do que minhas mãos. Não consigo viver bem com a hipótese de que muitas histórias não chegam a um fim. Feliz ou triste, elas simplesmente não têm um fim. E é assim e eu preciso aprender a aceitar.

Eu sei que hoje você usa terno. Ao lado de outra. Só ela te vê. Mas só dos meus pés você gostou.

E se hoje você fosse uma das pessoas que passam e ficasse? Só para uma dança no meio da sala ou da rua, você escolhe. Eu dançaria descalça, bêbada de silêncio. No fim da dança você olharia meus pés, sorriria, vestiria seu terno para ela e partiria. Talvez levando apenas você.

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