segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Essa é uma obra de ficção etc etc etc

O almoço

Água oxigenada em casa? Não, não tenho. Pode deixar essa mancha de sangue na toalha. São apenas os meus óvulos não fecundados por falta de amor. Ainda insistem nessa cor viva. Eu deveria soltar cinzas pelo meio das pernas. Já viu coerência em pote para vender? Talvez ao lado da água oxigenada? Não? Deixe pra lá, logo chega a hora do almoço e ele ainda dorme. Tenho esses olhos inchados porque sou alérgica a lágrimas. Justo eu que vivo afogada. No banho eu sempre torço para que as gotículas de água quente não se desprendam do alumínio do boxe, mas elas não conseguem se segurar e eu choro ainda mais. Já viu que elas se desfazem e não arrebentam? Se um dia eu pedir socorro no banho, não me obedeça, será um grito saído só da garganta. O que me revela está no meu útero, aonde ninguém chega e de onde ninguém sai. O que temos para o almoço hoje, além do meu suicídio? Não, nada de acompanhamentos. Talvez um café amargo antes e Chopin durante. Gosto tanto de suas músicas, mesmo sem saber nomeá-las. Coloque qualquer uma. Você já aprendeu a mexer nesse aparelho de som, não? Se ele não acordar, não o chame. E me deixe na sala, no meio do caminho, talvez assim ele perceba. Tire os meus sapatos, o tapete está tão limpo. O que você usou dessa vez? Pode ficar com eles e com todos os outros. Com as minhas roupas também. Ele seria capaz de embrulhá-las para presente. Será que eu e ela usamos o mesmo tamanho? Não importa, eu também não gostaria de saber a resposta. Não, não se preocupe com a água oxigenada, eu não deixarei manchas de sangue dessa vez. Pensando melhor: cozinhe batatas.

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